quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Obviamente


Uma das frases mais conhecidas do regime deposto com o 25 de Abril de 1974 é aquela que foi proferida pelo General Humberto Delgado em resposta ao que faria com Salazar se fosse eleito presidente da república: obviamente demito-o!
O General, conhecido como "sem medo", não foi eleito, obviamente não o demitiu e acabou assassinado pela PIDE. O regime durou ainda uma dezena de anos.
Não é que os portugueses não estivessem fartos de ditadura, censura, tortura, guerra colonial, entre outras coisas. Os portugueses, no geral, até são boas pessoas. Mas acomodaram-se. Toleraram. Esperaram. Talvez um milagre. Afinal Nossa Senhora de Fátima é portuguesa, caramba!
No entanto a Nossa Senhora não fez milagres. Pelo contrário, presidia tranquilamente às cerimónias do regime, abençoava-as e dava-lhes aquele "je ne sais quoi" de dignidade e misericórdia de trazer por casa.
E lembro-me bem da pressão nos estudos para não chumbar e obter o desejado adiamento para poder prosseguir a vida académica e evitar a precoce incorporação militar. Era a diferença entre acabar o curso ou interrompê-lo para fazer uma guerra injusta.
Lembro-me de ver diariamente na Praça de Londres, montando guarda ao Ministério das Corporações e Previdência, as carrinhas da "polícia de choque", com as suas fardas cinzentas e capacetes militares verdes, e do receio que se vivia. Lembro-me de imagens das cargas da GNR a cavalo, de espada desembainhada, sobre operários da margem sul.
O medo era a constante daqueles dias.
Lembro-me, quando Salazar adoeceu e foi patente a sua incapacidade para continuar, e segurar o "seu" regime, das conversas em surdina, mesmo em família dentro de casa, como se as paredes fossem informadoras da polícia política.
Lembro-me de crescer numa sociedade amordaçada e espartilhada pelo Estado e pela Igreja, alardeando e impondo públicas virtudes, quando parte das suas hierarquias praticavam em privado os seus vícios.
Decidi, por isso, desde muito novo que a liberdade seria um valor essencial para mim.
Decidi não deixar que me impusessem dogmas, me afirmassem verdades absolutas ou padrões morais que não passassem pelo crivo do meu julgamento, compreensão e aceitação.
Decidi não tolerar o que observei e vivi na minha infância e juventude.
Ainda estou a aprender, que não é fácil desprogramar tantos anos cinzentos. Continuo a tentar quebrar preconceitos e diferenças.
Mas essa lição serviu-me logo nos anos quentes da revolução para estar decisivamente ao lado dos que lutavam pela democracia e pela liberdade contra qualquer tipo de nova ditadura.
Tolerámos muitos anos. Anos demais. E quando toleramos o intolerável, quando não temos a coragem para defender a justiça e a liberdade, não sofremos só nós, podem ter a certeza que os nossos filhos serão os próximos.

Ora venham daí os Manic Street Preachers...




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